O livro de Eclesiastes e o mundo
pós-moderno
Por Denis Monteiro
Quase todo
mundo diz que já vivemos na pós-modernidade. E o que seria essa
pós-modernidade? Para Gene Edward, a pós-modernidade é tentar “reordenar
o pensamento e a cultura numa base inteiramente diferente, aceitando a
realidade como construção social e evitando completamente o “discurso
totalizante”[1], ou seja, é uma visão que permeia toda a cultura, influenciando
todas as áreas da vida, exemplo, o hedonismo (por causa do hedonismo, entendo
eu, surge o permissivismo), relativismo e o niilismo[2]. E o que essas visões
têm em comum? Bom, se o prazer da vida é me satisfazer, não crendo que nada
pode ser absoluto e que nada tem sentido nesta vida, comamos e bebamos que
amanhã morreremos (1Co 15.32).
Mas, qual
é a ligação entre o livro de Eclesiastes e esses pensamentos?
O livro de Eclesiastes repete em
média 37 a 39 vezes (depende da tradução) a palavra “vaidade”. E todas as vezes
que escutamos a palavra “vaidade”, nos lembramos de pessoas que são cuidadosas,
que cortam o cabelo com certo estilo, mulheres que usam maquiagem e tentam a
todo custo preservar sua beleza. Ou seja, chamamos essas pessoas de “vaidosas”.
Mas será que “vaidade” significa isso mesmo? O que diz o livro de Eclesiastes?
A palavra “vaidade” no livro de
Eclesiastes tem pelo menos três significados: 1) Sem valor, vazio; 2)
passageiro, transitório; 3) enigmático, de difícil entendimento.[3] Enquanto o
pós-modernismo busca sentido para seus prazeres e ao mesmo tempo não define o
sentido do “porquê”, visto que a verdade é relativa, Eclesiastes mostra que
debaixo do sol tudo é vaidade.
Como já foram definidos acima os
significados de “vaidade”, vamos ver qual a resposta de Salomão à esse
pensamento.
Eclesiastes
e o hedonismo
Eclesiastes
2.11: “Contudo, quando avaliei tudo o que as minhas mãos haviam feito e o
trabalho que eu tanto me esforçara para realizar, percebi que tudo foi inútil,
foi correr atrás do vento; não há qualquer proveito no que se faz debaixo do
sol” (NVI).
Eclesiastes
2.23: “Porque todos os seus dias são dores, e a sua ocupação é aflição; até
de noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade”. (AC)
O pregador
não está condenando o trabalho em si, mas o trabalho como uma forma de
satisfazer, é inútil. Nos Estados Unidos surgiu uma expressão para o viciado em
trabalho: Workaholic. Um workaholic não é somente
uma pessoa viciada em trabalho, mas é uma pessoa que busca ser competitivo,
chegando ao ponto de provar algo a ele mesmo ou a alguém. E como todo vício é
prejudicial à saúde, o viciado em trabalho não foge à regra. Mas, se não
bastasse estragar a sua saúde, o viciado em trabalho prejudica a sua família e
acima de tudo, quando se trata de um crente, isso afeta o seu relacionamento
com Deus. Pois, um viciado em trabalho não mede esforços para fazer qualquer
coisa para ser reconhecido, sendo possível até mesmo pisar em alguém, se
esquecendo que devemos amar uns aos outros. E se esse relacionamento social
está se arruinando, é porque o relacionamento com Deus está indo ou já foi para
o mesmo caminho.
Não
obstante, há outro termo que já está sendo sucesso no Brasil por causa de
alguns comerciais de certos produtos, é chamado de Life a Holic,
que em uma tradução “mais do que livre”, significa o viciado em viver a vida
intensamente. E o ‘viver a vida intensamente’ é fazer tudo que vem a mão fazer
como se fosse o último dia de sua vida, pois não se sabe o que vem depois.
Portanto, além do hedonismo envolto nessas concepções de vida, existe também o
permissivismo, que permite alguns tipos de comportamento ético e moral a todo
instante.
Logo, toda busca pelo prazer pessoal,
o sucesso e a realização profissional neste mundo como um fim em si mesmo é
vaidade, não tem valor algum. Isso não é ser um desmancha prazer, mas é ser
realista sobre tudo quanto acontece debaixo do sol.
Eclesiastes
e o niilismo
Bom, se
tudo é vaidade, não tem sentido, é breve ou passageiro, logo, o niilismo está
certo e Salomão corrobora com isso, certo? De modo nenhum! Mesmo quando o
pregador escreve “por mais que se esforce para descobrir o sentido das
coisas, o homem não o encontrará” (Ec 8.17), ele não quer dizer que nada
tem sentido, mas mesmo que eu me esforce ao máximo eu não conseguirei saber
plenamente o que Deus está fazendo. Confessar a ignorância é o primeiro passo
para o verdadeiro conhecimento (1Co 8.2).
Se a
sensação do momento é viver a vida intensamente, o pregador nos mostra como
devemos viver essa vida nos versos de 1-6 do capitulo 11: Lança o teu
pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás (vs.1).
De forma inteligente a pessoa que
vive debaixo do sol deve ter uma vida de fé. O capítulo 11 de Eclesiastes não
mostra em nenhum momento a palavra “fé”, mas a ideia por detrás das palavras do
pregador pode ser definida assim.
Não se sabe ao certo qual
interpretação se encaixa neste texto, se é uma linguagem de comércios marítimos
ou se é uma referência ao plantio de sementes sobre uma superfície com algum
tipo de fluxo de água. Mas o que podemos ver nas duas interpretações é que
todos os trabalhos devem ser feitos com esforço, como diz Derek Kidner, também
pode ser um incentivo à ação, pois, se há riscos por toda parte, é melhor
falhar sendo arrojado do que agarrando os recursos e guardando-os para nós
mesmos[4]. Portanto, a nossa pequenez diante do conhecimento e das obras de
Deus não eximem a nossa responsabilidade, mas nos incentiva a fazer com
empenho, pois sabemos quem controla todas as coisas e fez todas as coisas, é
Deus. Portanto, viver a vida intensamente para um cristão, é viver intensamente
para Deus, mesmo quando não conseguimos entender as obras de Deus, mas
confiando inteiramente no Deus que criou e controla todas as coisas.
Eclesiastes
e o relativismo
Eclesiastes
11.9,10 “Alegre-se, jovem, na sua mocidade! Seja feliz o seu coração nos
dias da sua juventude! Siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista
alcançar; mas saiba que por todas essas coisas Deus o trará a julgamento.
Afaste do coração a ansiedade e acabe com o sofrimento do seu corpo, pois a
juventude e o vigor são passageiros”.
Se o
pregador mostra o contrário do hedonismo e do niilismo, com o foco do esforço
crendo no Deus soberano e criador de todas as coisas, mostra também que a
verdadeira felicidade ou como curtir a vida de verdade, quando diz “siga por
onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar” não quer dizer faça
o que vem a mente e aproveite tudo que der para você fazer, mas esse coração
deve se lembrar de que Deus trará juízo de todas as nossas obras, logo, tendo
em vista o julgamento de Deus, todas as nossas obras devem glorificar a Deus.
Isso implica que nossas obras e nossa alegria devem ser feitas segundo a
vontade de Deus, isso quebra qualquer relativismo, pois a vontade de Deus é
verdade absoluta. Mas também todo e qualquer tipo de niilismo é posto abaixo
pelo pregador, pois se não há significado nos “porquês da vida”, o pregador de
forma intrínseca, mostra que o significado do “porquê devo viver”, é
viver para Deus e com Deus.
Não obstante, se a vontade de Deus
deve guiar o nosso viver e não as preocupações da vida presente debaixo do sol,
muito menos trabalhar ou viver como se não houvesse ninguém ou nada.
Eclesiastes
12.13,14 Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: “Tema a Deus e
guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem. Pois Deus
trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido,
seja bom, seja mal.”
O pregador
volta ao tema do capítulo 11, o fato de Deus trazer o julgamento. Mas agora ele
mostra o verdadeiro sentido da vida, anulando todo e qualquer tipo de niilismo,
hedonismo e/ou relativismo. Desde o verso primeiro do capítulo 12, o pregador
mostra uma vida em fase de transição desde a juventude, quando tudo é festa e
vigor, com a velhice e a morte se aproximando e volte ao pó, sendo tudo isso
vaidade. Mas, por que é vaidade viver a vida desde a nossa juventude até a
nossa velhice? A vaidade é compreendida a partir do momento que entendemos que
tudo quanto há debaixo do sol é transitório e que na morte nós voltamos para
Deus e tornamos ao pó. Com a revelação do Novo Testamento podemos entender
claramente como viver debaixo do sol com a mente no céu: “Portanto, se já
ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está
assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que
são da terra” (Cl 3.1,2).
Uma vida regenerada é uma vida que
busca temer a Deus guardando seus mandamentos, e é este o amor de Deus, porque
seus mandamentos não são penosos (1 Jo 5.3). E se entendermos que devemos temer
a Deus, este Deus está em todos os lugares e, se devemos temê-lo é porque há
ordenanças que Ele nos passou. Sendo assim, toda a nossa alegria deve ser em
Deus e a nossa verdade deve ser a verdade de Deus.
Conclusão
Apesar do livro de Eclesiastes ter
certas passagens de difícil interpretação, ele continua sendo inspirado por
Deus, sendo um verdadeiro manual para entendermos a vida debaixo do sol.
Enquanto estamos neste mundo devemos viver uma vida relacionável com o próximo,
mas nunca nos esquecendo de que a verdadeira comunhão que temos é com Deus.
Também devemos viver uma vida alegre, pois a Bíblia diz que devemos ser
alegres, começando por nossa salvação. Mas a nossa alegria deve ser
primeiramente em Deus e por seus feitos em nossas vidas, e não uma alegria em
mim mesmo como o fim de todas as coisas. E se a nossa vida deve ser centrada em
Deus, logo, já temos um propósito para as nossas vidas e a verdade de Deus deve
ser absoluta em nós e para nós.
________
Notas:
Notas:
[1] VEITH, Gene Edward, Jr. Tempos pós-modernos. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 1999. p. 37
[2] O niilismo é um conceito
filosófico que valoriza e propaga que a vida não tem sentido e que os “porquês”
da vida não tem nenhuma finalidade.
[3] NET Notes. Disponível em:
<https://net.bible.org/#!bible/Ecclesiastes+1>
Acesso em: 21/04/15
[4] KIDNER, Derek. A
Bíblia fala hoje – A mensagem de Eclesiastes. São Paulo: ABU Editora,
1989. p. 49
Fonte: www.napec.org / Apologética cristã