segunda-feira, 2 de novembro de 2015


O livro de Eclesiastes e o mundo pós-moderno

Por Denis Monteiro

Quase todo mundo diz que já vivemos na pós-modernidade. E o que seria essa pós-modernidade? Para Gene Edward, a pós-modernidade é tentar “reordenar  o pensamento e a cultura numa base inteiramente diferente, aceitando a realidade como construção social e evitando completamente o “discurso totalizante”[1], ou seja, é uma visão que permeia toda a cultura, influenciando todas as áreas da vida, exemplo, o hedonismo (por causa do hedonismo, entendo eu, surge o permissivismo), relativismo e o niilismo[2]. E o que essas visões têm em comum? Bom, se o prazer da vida é me satisfazer, não crendo que nada pode ser absoluto e que nada tem sentido nesta vida, comamos e bebamos que amanhã morreremos (1Co 15.32).
Mas, qual é a ligação entre o livro de Eclesiastes e esses pensamentos?
O livro de Eclesiastes repete em média 37 a 39 vezes (depende da tradução) a palavra “vaidade”. E todas as vezes que escutamos a palavra “vaidade”, nos lembramos de pessoas que são cuidadosas, que cortam o cabelo com certo estilo, mulheres que usam maquiagem e tentam a todo custo preservar sua beleza. Ou seja, chamamos essas pessoas de “vaidosas”. Mas será que “vaidade” significa isso mesmo? O que diz o livro de Eclesiastes?
A palavra “vaidade” no livro de Eclesiastes tem pelo menos três significados: 1) Sem valor, vazio; 2) passageiro, transitório; 3) enigmático, de difícil entendimento.[3] Enquanto o pós-modernismo busca sentido para seus prazeres e ao mesmo tempo não define o sentido do “porquê”, visto que a verdade é relativa, Eclesiastes mostra que debaixo do sol tudo é vaidade.
Como já foram definidos acima os significados de “vaidade”, vamos ver qual a resposta de Salomão à esse pensamento.
Eclesiastes e o hedonismo
Eclesiastes 2.11: “Contudo, quando avaliei tudo o que as minhas mãos haviam feito e o trabalho que eu tanto me esforçara para realizar, percebi que tudo foi inútil, foi correr atrás do vento; não há qualquer proveito no que se faz debaixo do sol” (NVI).
Eclesiastes 2.23: “Porque todos os seus dias são dores, e a sua ocupação é aflição; até de noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade”. (AC)
O pregador não está condenando o trabalho em si, mas o trabalho como uma forma de satisfazer, é inútil. Nos Estados Unidos surgiu uma expressão para o viciado em trabalho: Workaholic. Um workaholic não é somente uma pessoa viciada em trabalho, mas é uma pessoa que busca ser competitivo, chegando ao ponto de provar algo a ele mesmo ou a alguém. E como todo vício é prejudicial à saúde, o viciado em trabalho não foge à regra. Mas, se não bastasse estragar a sua saúde, o viciado em trabalho prejudica a sua família e acima de tudo, quando se trata de um crente, isso afeta o seu relacionamento com Deus. Pois, um viciado em trabalho não mede esforços para fazer qualquer coisa para ser reconhecido, sendo possível até mesmo pisar em alguém, se esquecendo que devemos amar uns aos outros. E se esse relacionamento social está se arruinando, é porque o relacionamento com Deus está indo ou já foi para o mesmo caminho.
Não obstante, há outro termo que já está sendo sucesso no Brasil por causa de alguns comerciais de certos produtos, é chamado de Life a Holic, que em uma tradução “mais do que livre”, significa o viciado em viver a vida intensamente. E o ‘viver a vida intensamente’ é fazer tudo que vem a mão fazer como se fosse o último dia de sua vida, pois não se sabe o que vem depois. Portanto, além do hedonismo envolto nessas concepções de vida, existe também o permissivismo, que permite alguns tipos de comportamento ético e moral a todo instante.


Logo, toda busca pelo prazer pessoal, o sucesso e a realização profissional neste mundo como um fim em si mesmo é vaidade, não tem valor algum. Isso não é ser um desmancha prazer, mas é ser realista sobre tudo quanto acontece debaixo do sol.
Eclesiastes e o niilismo
Bom, se tudo é vaidade, não tem sentido, é breve ou passageiro, logo, o niilismo está certo e Salomão corrobora com isso, certo? De modo nenhum! Mesmo quando o pregador escreve “por mais que se esforce para descobrir o sentido das coisas, o homem não o encontrará” (Ec 8.17), ele não quer dizer que nada tem sentido, mas mesmo que eu me esforce ao máximo eu não conseguirei saber plenamente o que Deus está fazendo. Confessar a ignorância é o primeiro passo para o verdadeiro conhecimento (1Co 8.2).
Se a sensação do momento é viver a vida intensamente, o pregador nos mostra como devemos viver essa vida nos versos de 1-6 do capitulo 11: Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás (vs.1).
De forma inteligente a pessoa que vive debaixo do sol deve ter uma vida de fé. O capítulo 11 de Eclesiastes não mostra em nenhum momento a palavra “fé”, mas a ideia por detrás das palavras do pregador pode ser definida assim.
Não se sabe ao certo qual interpretação se encaixa neste texto, se é uma linguagem de comércios marítimos ou se é uma referência ao plantio de sementes sobre uma superfície com algum tipo de fluxo de água. Mas o que podemos ver nas duas interpretações é que todos os trabalhos devem ser feitos com esforço, como diz Derek Kidner, também pode ser um incentivo à ação, pois, se há riscos por toda parte, é melhor falhar sendo arrojado do que agarrando os recursos e guardando-os para nós mesmos[4]. Portanto, a nossa pequenez diante do conhecimento e das obras de Deus não eximem a nossa responsabilidade, mas nos incentiva a fazer com empenho, pois sabemos quem controla todas as coisas e fez todas as coisas, é Deus. Portanto, viver a vida intensamente para um cristão, é viver intensamente para Deus, mesmo quando não conseguimos entender as obras de Deus, mas confiando inteiramente no Deus que criou e controla todas as coisas.
Eclesiastes e o relativismo
Eclesiastes 11.9,10 “Alegre-se, jovem, na sua mocidade! Seja feliz o seu coração nos dias da sua juventude! Siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas essas coisas Deus o trará a julgamento. Afaste do coração a ansiedade e acabe com o sofrimento do seu corpo, pois a juventude e o vigor são passageiros”.
Se o pregador mostra o contrário do hedonismo e do niilismo, com o foco do esforço crendo no Deus soberano e criador de todas as coisas, mostra também que a verdadeira felicidade ou como curtir a vida de verdade, quando diz “siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar” não quer dizer faça o que vem a mente e aproveite tudo que der para você fazer, mas esse coração deve se lembrar de que Deus trará juízo de todas as nossas obras, logo, tendo em vista o julgamento de Deus, todas as nossas obras devem glorificar a Deus. Isso implica que nossas obras e nossa alegria devem ser feitas segundo a vontade de Deus, isso quebra qualquer relativismo, pois a vontade de Deus é verdade absoluta. Mas também todo e qualquer tipo de niilismo é posto abaixo pelo pregador, pois se não há significado nos “porquês da vida”, o pregador de forma intrínseca, mostra que o significado do “porquê devo viver”,  é viver para Deus e com Deus.
Não obstante, se a vontade de Deus deve guiar o nosso viver e não as preocupações da vida presente debaixo do sol, muito menos trabalhar ou viver como se não houvesse ninguém ou nada.
Eclesiastes 12.13,14 Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: “Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem. Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mal.”
O pregador volta ao tema do capítulo 11, o fato de Deus trazer o julgamento. Mas agora ele mostra o verdadeiro sentido da vida, anulando todo e qualquer tipo de niilismo, hedonismo e/ou relativismo. Desde o verso primeiro do capítulo 12, o pregador mostra uma vida em fase de transição desde a juventude, quando tudo é festa e vigor, com a velhice e a morte se aproximando e volte ao pó, sendo tudo isso vaidade. Mas, por que é vaidade viver a vida desde a nossa juventude até a nossa velhice? A vaidade é compreendida a partir do momento que entendemos que tudo quanto há debaixo do sol é transitório e que na morte nós voltamos para Deus e tornamos ao pó. Com a revelação do Novo Testamento podemos entender claramente como viver debaixo do sol com a mente no céu: “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra” (Cl 3.1,2).
Uma vida regenerada é uma vida que busca temer a Deus guardando seus mandamentos, e é este o amor de Deus, porque seus mandamentos não são penosos (1 Jo 5.3). E se entendermos que devemos temer a Deus, este Deus está em todos os lugares e, se devemos temê-lo é porque há ordenanças que Ele nos passou. Sendo assim, toda a nossa alegria deve ser em Deus e a nossa verdade deve ser a verdade de Deus.
Conclusão
Apesar do livro de Eclesiastes ter certas passagens de difícil interpretação, ele continua sendo inspirado por Deus, sendo um verdadeiro manual para entendermos a vida debaixo do sol. Enquanto estamos neste mundo devemos viver uma vida relacionável com o próximo, mas nunca nos esquecendo de que a verdadeira comunhão que temos é com Deus. Também devemos viver uma vida alegre, pois a Bíblia diz que devemos ser alegres, começando por nossa salvação. Mas a nossa alegria deve ser primeiramente em Deus e por seus feitos em nossas vidas, e não uma alegria em mim mesmo como o fim de todas as coisas. E se a nossa vida deve ser centrada em Deus, logo, já temos um propósito para as nossas vidas e a verdade de Deus deve ser absoluta em nós e para nós.
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Notas:
[1] VEITH, Gene Edward, Jr. Tempos pós-modernos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999. p. 37
[2] O niilismo é um conceito filosófico que valoriza e propaga que a vida não tem sentido e que os “porquês” da vida não tem nenhuma finalidade.
[3] NET Notes. Disponível em: <https://net.bible.org/#!bible/Ecclesiastes+1> Acesso em: 21/04/15
[4] KIDNER, Derek. A Bíblia fala hoje – A mensagem de Eclesiastes. São Paulo: ABU Editora, 1989. p. 49


Fonte: www.napec.org     /   Apologética  cristã