domingo, 30 de outubro de 2011

Subsídio para Lição Bíblica da CPAD (nº6)/ 4ºtrimestre /2011

O Padrão Bíblico de Avivamento
 
           Qual o padrão bíblico de avivamento? Os avivamentos bíblicos oferecem alguma coordenada para a renovação da igreja evangélica no Brasil de hoje?
Estas são algumas das perguntas que procuraremos responder no decorrer desse estudo.

I - O significado bíblico do termo "Avivamento":
1.1. No Antigo Testamento:

O verbo hebraico hyh (avivar) tem o significado primário de "preservar" ou "manter vivo". Porém, "avivar" não significa somente preservar ou manter vivo, mas também purificar, corrigir e livrar do mal. Esta é uma conseqüência natural em toda vez que Deus aviva. Na história de cada avivamento, dentro ou fora da Bíblia, lemos que Deus purifica, livra do mal e do pecado, tira a escória e as coisas que estavam impedindo o progresso da causa (1).
O verbo "avivar", em suas várias formas (2), é usado mais de 250 vezes no Antigo Testamento, das quais 55 vezes estão num grau chamado piel. Um verbo nas formas do Piel expressa uma ação ativa intensiva no hebraico. Neste sentido, o avivamento é sempre indicado como uma obra ativa e intensiva de Deus. Alguns exemplos de sua ocorrência são as clássicas orações de Davi, como esta: "Porventura, não tornarás a vivificar-nos (3), para que em ti se regozije o teu povo?" (Sl 85.6) (4), e da clássica oração do profeta Habacuque: "Tenho ouvido, ó Senhor, as tuas declarações, e me sinto alarmado; aviva a tua obra, ó Senhor, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida; na tua ira, lembra-te da misericórdia" (Hc 3.2).

1.2. No Novo Testamento:


Encontramos no Novo Testamento grego um conjunto de palavras que expressam o conceito básico de avivamento. São elas: 'egeíro, 'anastáso, 'anázoe e 'anakaínoo. Outras palavras gregas comparam o avivamento ao reacender de uma chama que se apaga aos poucos (cf. 'anazopyréo em 2 Tm 1.6) ou uma planta que lança novos brotos e "floresce novamente" (cf. 'anaphállo em Fp 4.10).
No Novo Testamento grego as palavras supracitadas aparecem, no contexto de avivamento, apenas sete vezes, embora a idéia básica de avivamento seja sugerida com mais freqüência. Uma possível explicação para o uso escasso dos termos, em comparação ao Antigo Testamento, é que o Novo cobre apenas uma geração, durante a qual a Igreja Cristã desfrutou, na maior parte do tempo, um grau incomum de vida espiritual.

II - O que não é avivamento bíblico:
Antes de falarmos sobre avivamento bíblico, propriamente dito, acreditamos ser de grande ajuda uma abordagem, mesmo que rápida, do que não é o padrão bíblico de avivamento.
O Rev. Hernandes Dias Lopes, em seu livro AVIVAMENTO URGENTE, apresenta sete interessantes razões sobre o que não deve ser entendido como avivamento de verdade. Sou devedor ao dileto colega por suas pertinentes observações. Transcrevo-as quase que na íntegra.

2.1. Avivamento não é um programa agendado pela igreja.


Avivamento não é ação da igreja, mas de Deus. Avivamento é obra soberana e livre do Espírito Santo. A igreja não promove e nem faz avivamento. A igreja não é agente de avivamento. A igreja não agenda e nem programa avivamento. A igreja só pode buscar o avivamento e preparar o caminho da sua chegada. A igreja não produz o vento do Espírito, ela só pode içar suas velas em direção a esse vento.
A soberania de Deus, no entanto, não anula a responsabilidade humana. O avivamento jamais virá se a igreja não preparar o caminho do Senhor (5). O avivamento jamais acontecerá se a igreja não se humilhar. Sem oração da igreja, as chuvas torrenciais de Deus não descerão. Sem busca não há encontro. Sem obediência a Deus, jamais haverá derramamento do Espírito. Contudo, quem determina o quando e o como do avivamento é Deus. Ele é soberano. David Brainerd orou vários anos pelo avivamento entre os índios peles vermelhas no século XVIII. Aquele jovem, ajoelhado na neve, suava de molhar a camisa, em agonia de alma, em oração fervente, em favor daqueles pobres índios. Quando o seu coração parecia desalentado e já não havia prenúncios de chuva da parte de Deus, o Espírito foi poderosamente derramado e os corações se dobraram a Cristo aos milhares.

2.2. Avivamento não é mudança doutrinária.

Cometem ledo engano aqueles que querem descartar a teologia e desprezar a doutrina na busca do avivamento. Desprezar a doutrina é dinamitar os alicerces da vida cristã. Desprezar a doutrina é querer levantar um edifício sem lançar o fundamento. Desprezar a doutrina é querer por um corpo de pé e em movimento sem a estrutura óssea.
Não há vida piedosa sem doutrina. A doutrina é a base da ética. A teologia é mãe da ética. "Assim como o homem crê no seu coração, assim ele é" (Pv 23.7).
Vida sem doutrina gera misticismo e experiencialismo subjetivista. Avivamento sem doutrina é fogo de palha, é movimento emocionalista, é experiencialismo personalista e antropocentrista. Deus tem compromisso com a verdade e a sua Palavra é a verdade e todo avivamento precisa estar fundamentado na Palavra. O avivamento precisa estar norteado pelas Escrituras e não por sonhos e visões. Precisa estar dentro das balizas da Bíblia e não dentro dos muros de revelações subjetivistas, muitas vezes feitas na carne.

2.3. Avivamento não é mudança litúrgica.

Muitos crentes confundem avivamento com forma de culto, com liturgia animada, com coreografia e instrumental aparatoso.
Louvor não é encenação. Não é mimetismo. Não é ritualismo. Não é emocionalismo. Não é apenas seguir formas pré-estabelecidas, como bater palmas, dizer aleluia, amém e levantar as mãos. Louvor não é pululância, gingos e dança (6). Louvor que apenas levanta as mãos para o alto, mas não as estende para o necessitado não agrada a Deus. A Bíblia ordena levantar mãos santas ao Senhor, num gesto de rendição e entrega (I Tm 2.8). Louvor em que a pessoa apenas saltita e pula, mas não vive em santidade, é ofensa a Deus. Louvor que apenas verbaliza coisas bonitas para Deus, mas não leva Deus a sério na vida é fogo estranho diante do Senhor.
Louvor que não produz mudança de vida, quebrantamento, obediência e não leva as pessoas a confiarem em Deus, não é louvor, é barulho aos ouvidos de Deus. Assim diz o Senhor: "Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias das tuas liras" (Am 5.23).
Hoje estamos vivendo a época dos shows evangélicos, dos show-men, dos animadores de programas religiosos, do "rock evangélico", das músicas badaladas por um ritmo sensual.
Mais do que nunca é preciso tocar a trombeta em Sião e condenar a idéia de que precisamos imitar o mundo para atrair o mundo. A música do mundo tem entrado nas igrejas, para vergonha nossa e para derrota nossa. O louvor que agrada a Deus precisa ser em espírito e em verdade. O louvor precisa ser bíblico, senão é fogo estranho. Davi, no Salmo 40, versículo 3, fala-nos sobre as balizas do louvor que agrada a Deus: "E me pôs nos lábios um novo cântico, um hino de louvor ao nosso Deus; muitos verão estas coisa, temerão e confiarão no Senhor". Primeiro, vemos a origem deste cântico: "E me pôs nos lábios". Este louvor vem de Deus e não do homem. Segundo, vemos a natureza deste cântico: "E me pôs nos lábios um novo cântico". Não é um novo de edição, mas novo de natureza. É um cântico que expressa a marca da sua nova vida, liberta do tremendal de lama (v2). Terceiro, vemos o objetivo deste cântico: "... Um hino de louvor ao nosso Deus". Este cântico não é para entreter ou agradar o gosto e preferência das pessoas. Este cântico vem de Deus e volta para Deus. Deus é o seu alfa e o seu ômega. Quarto, vemos o resultado deste cântico: "Muitos verão estas coisas, temerão e confiarão no Senhor". O louvor bíblico leva as pessoas a temerem a Deus, a confiarem em Deus. O verdadeiro louvor leva as pessoas a se voltarem para Deus.
O louvor não é um espaço da liturgia. Louvor é a totalidade da vida. "Bendirei ao Senhor em todo o tempo, o seu louvor estará sempre nos meus lábios" (Sl 34.1).
À luz destas coisas, é preciso dizer que avivamento não é mudança litúrgica, é mudança de vida. Avivamento não é histeria carnal, é choro pelo pecado. Deus não procura adoração. Ele procura adoradores.
Todavia, é preciso dizer que, embora o avivamento não seja mudança de liturgia, todo avivamento mexe com a liturgia. O avivamento desinstala a liturgia ritualista, cerimonialista, formalista, fria e morta e põe em seu lugar uma liturgia viva, alegre, ungida, onde há liberdade do Espírito, sem abandonar a ordem e a decência. Em épocas de avivamento, a liturgia é desingessada e o povo com alegria e liberdade do Espírito adora a Deus, em espírito e em verdade, sem regras rígidas pré-estabelecidas. Cada culto é um acontecimento singular, novo, onde há abertura para o que Deus deseja falar e fazer com o seu povo.
Hoje existem muitos cultos solenes, aparatosos, pomposos, mas estão mortos. Disse J. I. Packer no seu livro "Na Dinâmica do Espírito": "Não há nada mais solene do que um cadáver. Há cultos solenes que estão mortos". Embora o avivamento não seja mudança litúrgica, todo avivamento muda a liturgia, tornando-a bíblica, alegre, ungida, dirigida pelo Espírito de Deus. Devemos clamar como os puritanos: "Queremos liturgia pura".

2.4. Avivamento não é uma ênfase carismática unilateral.

Muitas pessoas hoje estão limitando o avivamento a milagres, curas e exorcismos, sem observarem a abrangência global da doutrina pneumatológica. Este é um sério perigo. Toda vez que super-enfatizamos uma verdade em detrimento de outra, nós produzimos deformações e distorções nesta verdade.
Deus pode e faz maravilhas, curas e prodígios extraordinários quando Ele quer. Ele é soberano. Ninguém pode deter a sua mão. Ninguém pode ser o conselheiro de Deus. Ninguém pode instruir a Deus e dizer o que Ele pode e o que Ele não pode fazer. Ninguém pode obstaculá-lo nem ensinar-lhe qualquer coisa. Ele faz tudo quanto Ele quer, como quer, onde quer, quando quer, com quem quer. "Ele faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade" (Ef 1.11). Ele não obedece à agenda dos homens. Ele não se deixa pressionar. Ele é livre.
Entretanto, esta não é a ênfase do avivamento. A igreja hoje está correndo mais atrás de sinais do que atrás de santidade. A igreja hoje empolga-se mais com milagres do que com vida cheia do Espírito. A igreja hoje anseia mais as bênçãos de Deus do que o Deus das bênçãos. A igreja hoje busca mais uma vida antropocêntrica do que teocêntrica.
Avivamento não é efervescência carismática. Uma igreja pode ter todos os dons sem ser uma igreja avivada. Avivamento não é conhecido pelos dons do Espírito, mas pelo fruto do Espírito.
A igreja de Corinto possuía todos os dons, todavia, era uma igreja imatura e bebê espiritualmente. Naquela igreja profundamente carismática, havia divisões, cismas, brigas, partidos, contendas, imoralidade e irmãos levando outros irmãos aos tribunais mundanos. Havia falta de compreensão acerca do casamento e da liberdade cristã. Naquela igreja a ceia do Senhor estava sendo incompreendida, os dons estavam sendo usados erradamente, a ressurreição dos crentes estava sendo negada, e a cooperação financeira com os pobres negligenciada.
É verdade que, em épocas de avivamento, os dons são buscados e exercidos para a glória de Deus e a edificação da igreja, mas a ênfase carismática não é sinônimo de avivamento.

2.5. Avivamento não é modismo.

Muitos crentes, por desconhecimento, se posicionam contra o avivamento porque acham que ele é a mais nova onda da igreja. Acham que avivamento é uma coqueluche moderna e uma inovação sem nenhum respaldo bíblico e histórico.
Certamente, aqueles que assim pensam não estudam com critério a Bíblia nem a história da igreja. Os pontos culminantes da igreja aconteceram em épocas de avivamento. Desde o Antigo Testamento que esta é uma verdade incontestável. É só olhar para os grandes despertamentos na época de Ezequias, de Josias e de Neemias. É só ver o grande avivamento em Jerusalém, em Samaria, em Antioquia da Síria e em Éfeso. É só ver o que Deus fez na Reforma do Século XVI, na Inglaterra, no século XVIII e em outros grandes avivamentos da história. Certamente, avivamento não é uma onda, não é um modismo. Ele possui firmes lastros históricos. Ele é nossa herança e nosso legado e deve continuar sendo nossa aspiração e nossa busca constante.

2.6. Avivamento não é uma visão dicotomizada da vida.

Muitas pessoas, quando começam a buscar avivamento, saem da realidade e enclausuram-se nos castelos inexpugnáveis de uma espiritualidade isolada e monástica. Tornam-se tão "espirituais" que já não sabem mais conviver com a vida, isolam-se, fazendo da vida uma caverna de fuga. Querem sair do mundo em vez de serem guardados do mal. Dividem a vida entre sagrado e profano, corpo e alma, matéria e espírito. Acham que Deus está interessado apenas nas coisas espirituais. Acham que Deus só olha para a vida de trabalho na igreja, sem observar os negócios, a família, o trabalho, os estudos e a vida do dia-a-dia com o mesmo interesse.
Esta não é a visão bíblica nem a visão do verdadeiro avivamento. Tudo em nossa vida é vazado pelo sagrado. Toda a nossa vida é cúltica. Todo o nosso viver é litúrgico. O grande avivalista John Wesley lutou pelas causas sociais na Inglaterra ao mesmo tempo que pregou sobre avivamento. Finney pregou ardorosamente contra a escravidão nos EUA no século passado ao mesmo tempo que foi o maior avivalista do seu país. João Calvino atacou com veemência os juros extorsivos em Genebra. O avivamento sempre traz profundas mudanças políticas, econômicas, sociais e morais. O avivamento não leva a igreja à fuga, mas ao enfrentamento.

2.7. Avivamento não é campanha de evangelização.


Não podemos confundir avivamento com campanhas evangelísticas. Avivamento é para a igreja, pessoas que já têm vida; evangelização é para o mundo, pessoas que estão mortas em delitos e pecados. Avivamento é para crentes nascidos de novo; evangelização é para pecadores inconversos. Na evangelização, a igreja trabalha para Deus; no avivamento, Deus trabalha para a igreja. Na evangelização, a igreja vai aos pecadores; no avivamento, os pecadores correm para a igreja. Na evangelização, os pregadores apelam aos pecadores; no avivamento, os pecadores apelam aos pregadores.

III - O Padrão Bíblico de Avivamento:
Podemos definir o avivamento bíblico em dois sentidos distintos:  3.1. O sentido estrito de avivamento.

Estritamente falando, avivamento é algo que acontece unicamente no meio do povo de Deus. O Espírito Santo renova, reaviva e desperta a igreja sonolenta. É revitalização onde já existe vida. Ou, como disse Robert Coleman, é "o retorno de algo à sua verdadeira natureza e propósito" (7).
Comentando um pouco mais sobre o sentido estrito de avivamento, diz o Dr. Martin Lloyd-Jones:
É uma experiência na vida da Igreja quando o Espírito Santo realiza uma obra incomum. Ele a realiza, primeiramente, entre os membros da Igreja: é um reviver dos crentes. Não se pode reviver algo que nunca teve vida; assim, por definição, o avivamento é primeiramente uma vivificação, um revigoramento, um despertamento de membros de igreja que se acham letárgicos, dormentes, quase moribundos (8).
Quando há esse impacto da obra do Espírito de Deus na vida da igreja, os resultados imediatos do avivamento são sentidos no povo de Deus: senso inequívoco da presença de Deus; oração fervorosa e louvor sincero; convicção de pecado na vida das pessoas; desejo profundo de santidade de vida e aumento perceptível no desejo de pregação do evangelho. Em outras palavras, a igreja amortecida e tristemente doente é a primeira a ser beneficiada pelo avivamento.
                                                                                                                                                               3.2. O sentido amplo de avivamento.

Como a própria expressão define, neste sentido não apenas a igreja, mas a sociedade não-cristã também é beneficiada pelo avivamento. Isto acontece porque, além da atuação soberana do Espírito Santo no mundo, na igreja passa a existir uma conscientização profunda de sua missão; isto é, a missão integral de servir o mundo evangelística e socialmente. No avivamento a igreja vive a missão para a qual foi chamada.
A sociedade não-cristã, por sua vez, volta-se para Deus em resposta ao evangelho. Acertadamente o Dr. Héber de Campos comenta que "o reavivamento começa na igreja e termina na comunidade maior onde ela vive. Os efeitos do reavivamento são muito mais perceptíveis nas mudanças morais que acontecem na região ou num país onde ele acontece. Ele não se limita simplesmente aos membros das igrejas atingidas pela obra de Deus. Ele causa impacto em toda a comunidade onde a igreja de Deus está inserida" (9).
Em suma, as duas características principais do avivamento são 1) o extraordinário revigoramento da igreja de Cristo e 2) a conversão de multidões que até o momento estiveram fora dela na indiferença e no pecado.                                                                  
  3.3. Avivamento e a Bíblia.

Aqui também abordaremos dois aspectos essenciais do avivamento.
1) O padrão bíblico de avivamento é a Bíblia

Por mais simplória e pleonástica que esta declaração pareça ser, ela é tão autêntica e singular como dois e dois são quatro. Estamos falando do único padrão inerrante e infalível de avivamento: a Bíblia.
Uma vez que a Bíblia é a nossa única regra de fé e prática, é ela e somente ela que nos pode dar a direção certa deste assunto. A relação entre a Bíblia e o avivamento é tão intrínseca que é impossível um avivamento de verdade sem que a Bíblia faça parte dele.
Além disso, numa época de tantos extremos como este em que vivemos, é fundamental o equilíbrio que só a Bíblia oferece. Sabemos que hoje existem desde aqueles que vêem toda e qualquer manifestação entusiástica como avivamento, até àqueles que negam a sua existência, ou quando muito acham que avivamento é a mais nova onda do momento, uma coqueluche moderna, uma inovação humana sem respaldo bíblico. É necessário, mais do que nunca, recorrermos à lei e ao testemunho.
Permita-me ilustrar o que queremos dizer por "extremos". Edwin Orr (10), uma das maiores autoridades sobre avivamentos, disse que viu duas igrejas nos Estados Unidos convidando pessoas para suas reuniões de avivamentos. Uma delas dizia: "Reavivamento aqui todas às segundas-feiras à noite", enquanto que a outra prometia: "Reavivamento aqui todas às noites, exceto às segundas-feiras". Orr menciona este fato para relatar um desses extremos em que a palavra "avivamento" ou "reavivamento" é usada aleatoriamente, como se o avivamento fosse produzido simplesmente pelo desempenho humano com data e hora marcadas.
Voltando ao lugar da Bíblia no avivamento, é importante salientar que ela foi, é e sempre será a espada do Espírito Santo em todo avivamento bíblico. Não existe verdadeira espiritualidade sem a Bíblia. Observando os avivamentos ocorridos na Bíblia e na história da igreja, notamos que os objetos do Espírito eram sempre persuadidos com e para a Bíblia. Avivamento onde a Bíblia não está presente não passa de um mero pentecostalismo convencional.
"Um reavivamento", diz o Dr. Héber de Campos, "que é produto da obra do Espírito Santo na igreja, certamente tem sua ênfase naquilo que tem sido esquecido por muito tempo: a Palavra de Deus. A autoridade da Palavra de Deus passa ser algo extremamente forte num momento genuíno de reavivamento. A Bíblia passa novamente a ser honrada como a única Palavra inspirada de Deus" (11).
2) O padrão bíblico de avivamento está na Bíblia

Os primórdios do avivamento bíblico aparecem em Gênesis. Segundo Coleman, o que se pode chamar de "o grande despertamento geral" ocorreu nos dias de Sete, pouco depois do nascimento de seu filho Enos: "Então se começou a invocar o nome do Senhor" (Gn 4.26) (12). O nome Enos quer dizer fraco ou doente. O que é deveras significativo. Considerando o assassinato de Abel (Gn 3.9-15) e o aparecimento cada vez mais forte de doenças na raça humana, o nome Enos era bastante adequado. "É provável que fosse um reflexo da consciência da depravação humana e da necessidade da graça divina" (13). À parte desta indicação não existe nenhum outro relato de avivamento no princípio da história da raça humana. O relato subseqüente do dilúvio ilustra de modo dramático o que acontece com um povo que não se arrepende de seus pecados.
Depois temos os patriarcas que por vários séculos lideraram o povo de Deus. Sempre que a vitalidade espiritual do povo se desvanecia, eles agiam como a força que promovia novo vigor. O breve avivamento na casa de Jacó é um bom exemplo disso (Gn 35.1-15). Mais tarde, sob a liderança de Moisés, há períodos empolgantes de refrigério, especialmente nos acontecimentos ligados à primeira páscoa (Ex 12.21-28), na outorga da lei do Senhor no Sinai (Ex 19.1-25; 24.1-8; 32.1-35.29) e no levantamento da serpente de bronze no monte Hor (Nm 21.4-9).
No tempo de Josué um despertamento espiritual predominou em suas campanhas, como na travessia do rio Jordão (Js 3.1-5.12) e na conquista de Ai (Js 7.1-8.35). Mas quando terminaram as guerras e o povo se assentou para desfrutar os despojos da vitória, uma apatia espiritual se apoderou da nação. Sabendo que seu povo estava dividido, Josué reuniu as tribos de Israel, em Siquém, e exigiu que cada um escolhesse, de uma vez por todas, a quem servir (Js 24.1-15). Um verdadeiro avivamento segue-se a esse desafio, prosseguindo durante "todos os dias de Josué, e todos os dias dos anciãos que ainda viveram muito tempo depois de Josué, e sabiam toda a obra que o Senhor tinha feito a Israel" (Js 24.31).
O período de trezentos anos de liderança dos juízes mostra os israelitas, de quando em quando, traindo o Senhor e servindo a outros deuses. O juízo de Deus é inevitável. Então, após longos anos de opressão, o povo se arrepende e clama ao Senhor (Jz 3.9,15; 4.3; 6.6,7; 10.10). Em cada ocasião Deus responde as orações, enviando-lhes um libertador que liberta o povo na vitória contra os inimigos. Um dos maiores movimentos avivalistas aparece no final desse período, sob a direção de Samuel (I Sm 7.1-17).
Tempos de renovação ocorreram periodicamente no período dos reis. A marcha de Davi, entrando com a arca em Jerusalém, possui muitos ingredientes de um avivamento (2 Sm 6.12-23). A dedicação do templo, no início do reinado de Salomão, é outro grande exemplo (I Rs 8). O avivamento também chega a Judá nos dias de Asa (I Rs 15.9-15). E Josafá, outro rei de Judá, lidera uma reforma (I Rs 22.41-50), bem como o sacerdote Joiada (2 Rs 11.4-12.16). Outro poderoso despertamento é vivenciado na terra sob a liderança do rei Ezequias (2 Rs 18.1-8). Por fim, a descoberta do livro da lei, durante o reinado de Josias, dá início a um dos maiores avivamentos registrados na Bíblia (2 Rs 22,23; 2 Cr 34,35).
Ainda, sob a liderança de Zorobabel e Jesua, outra vez começa a reacender um novo avivamento (Ed 1.1-4.24). Tendo as intimidações dos inimigos induzido os judeus a interromperem a reconstrução do templo, os profetas Ageu e Zacarias entraram em cena para instigar o povo a prosseguir (Ed 5.1-6.22; Ag 1.1-2.23; Zc 1.1-21; 8.1-23). Setenta e cinco anos depois, com a chegada de outra expedição liderada por Esdras, novas reformas são iniciadas em Jerusalém, dando-se mais atenção à lei (Ed 7.1-10.44). O avivamento alcança o auge poucos anos depois, quando Neemias se apresenta para completar a construção dos muros de Jerusalém e estabelecer um governo teocrático (Ne 1.1-13.31).
Uma oração por avivamento e a promessa de sua ocorrência encontramos também em Joel 2.28-32; Habacuque 2.14-3.19 e Malaquias 4.
No apogeu de um grande avivamento Jesus aparece e é batizado por João Batista. Escolhe e treina seus discípulos; ascende aos céus, deixando-os na expectativa de receberam a promessa do Espírito (Lc 24.49-53; At 1.1-26). O poderoso derramamento do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, inaugura o avivamento que Jesus havia predito (At 2.1-47). "Marca-se, assim, o início de uma nova era na história da redenção. Por três anos Jesus trabalhara na preparação desse dia - o dia em que a Igreja, discipulada por intermédio de seu exemplo, redimida por seu sangue, garantida por sua ressurreição, sairia em seu nome a proclamar o Evangelho 'até os confins da terra' (At 1.8)" (14).
O livro de Atos registra a dimensão desse avivamento. Avivamento em Jerusalém, em Samaria, em Antioquia da Síria e em Éfeso. E de lá para cá, são muitos os relatos da obra vivificadora do Espírito Santo na história da igreja, como por exemplo, na Alemanha com a Reforma Protestante do século XVI, na Inglaterra no século XVIII, entre os negros Zulus da África do Sul na década de 60 e na Coréia do Sul nestes últimos tempos, dentre outros.
Que Deus derrame do seu Espírito sobre nós para que possamos, como igreja e povo brasileiros, experimentar mais uma vez daquele "fogo abrasador" que nos purifica e nos santifica para uma vida cristã de obediência à sua Palavra.

NOTAS
:
(1) Cf. D. M. Lloyd-Jones, DO TEMOR À FÉ (2ª ed. São Paulo: Editora Vida, 1987), pp. 73,4. Veja também, de Gerard Van Groningen, AVIVAMENTO SOB UM PRISMA VÉTERO-TESTAMENTÁRIO no site www.ipcb.org.br.

(2) Os termos "avivamento", "reavivamento", "renovação", "despertamento", "vivificação", "reviver" e "tornar a viver" são usados no mesmo sentido.

(3) O significado literal da expressão hebraica "vivificar-nos", do Salmo 85.6, é "causa-nos viver", onde se reconhece que a vitalidade espiritual depende inteiramente de Deus.

(4) O Novo Comentário da Bíblia, Edições Vida Nova, dá a este Salmo o sugestivo título: UMA ORAÇÃO PEDINDO REAVIVAMENTO.

(5) Para um ponto de vista diferente, veja a obra do Dr. Paul E. Pierson, A HISTÓRIA DOS AVIVAMENTOS, material apostilado pela Faculdade Teológica Sul Americana de Londrina - PR.

(6) Uma posição semelhante foi apresentada pelo Rev. Edijéce Martins Ferreira, em entrevista ao Jornal Brasil Presbiteriano (Abril/94, p. 12): "Confunde-se avivamento com atitude pessoal e inclusive corporal (física), com expressão emocional, levantar de mãos, etc. Essas atitudes em si não são propriamente prejudiciais. Todavia, pela confusão que se faz a doutrina sai perdendo. Há uma superficialidade doutrinária muito grande, porque se dá ênfase excessiva ao louvor, a sermões eletrizantes, a práticas pentecostais, quando avivamento é tão somente uma consciência clara e profunda da vontade de Deus (que é doutrinária) e uma disposição plena de obediência (que é prática)".

(7) R. Coleman, A CHEGADA DO AVIVAMENTO MUNDIAL (São Paulo: CPAD, 1996), p. 18.

(8) D. M. Lloyd-Jones, OS PURITANOS: SUAS ORIGENS E SEUS SUCESSORES (São Paulo: PES, 1993), pp. 15,6. Veja também, do mesmo autor, o excelente livro AVIVAMENTO (São Paulo: PES, 1992) 320 pp.

(9) Héber C. Campos, CRESCIMENTO DA IGREJA: COM REFORMA OU COM REAVIVAMENTO? In Fides Reformata, Vol I, Nº 1 (São Paulo: 1996), pp. 44,5.

(10) Citado por Brian H. Edwards em REVIVAL!
A PEOPLE SATURED WITH GOD (England: Evangelical Press, 1994), p. 25.

(11) H. C. Campos, op. cit., p. 45.
(12) R. Coleman, op. cit., p. 53.

(13) Idem.

(14) Idem, p. 61.
Rev. Josivaldo de França Pereira - Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil (I.P.B.) em Santo André - SP. Bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição (J.M.C. - SP), Licenciado em filosofia pela F.A.I. (Faculdades Associadas Ipiranga - SP) e mestrando em missiologia pelo Seminário Teológico Sul Americano (S.T.S.A.) em Londrina - PR.

sábado, 29 de outubro de 2011

História da Vida e Perseguições de Martinho Lutero por John Fox

História da Vida e Perseguições de Martinho Lutero por John Fox

Este ilustre alemão, teólogo e reformador da Igreja, filho de Juan Lutero e Margarita Ziegler, nasceu em Eisleben, uma cidade da Saxônia, no condado de Mansfield, no dia 10 de novembro de 1483.

A posição e condição de seus pais eram originalmente humildes, e a profissão de seu genitor era trabalhar nas minas; porém, é provável que por seu esforço e trabalho ajuntara uma fortuna para a sua família, porquanto, posteriormente, chegou a ser um magistrado de classe e dignidade. Lutero foi prontamente iniciado nos estudos, e aos treze anos de idade foi enviado a uma escola de Magdeburgo, e dali a Eisenach, na Turíngia, onde permaneceu por quatro anos, onde demonstrou as primeiras indicações de sua futura eminência.

Em 1501, foi enviado à Universidade de Erfurt, onde passou pelos costumeiros cursos de lógica e filosofia. Aos vinte anos de idade, recebeu o título de licenciado, e passou logo a ensinar a física de Aristóteles, ética e outros assuntos ligados à filosofia. Posteriormente, por indicação de seus pais, dedicou-se à lei civil, a fim de trabalhar como advogado; porém, foi separado desta atividade devido ao incidente relatado a seguir.

Ao andar certo dia pelos campos, foi lançado ao solo por um raio, enquanto um amigo morreu ao seu lado. Este fato afetou-o de tal modo que, sem comunicar o seu propósito a algum de seus amigos, retirou-se do mundo e enclausurou-se junto à ordem dos eremitas de Santo Agostinho.

Dedicou-se ali à leitura das obras de Santo Agostinho e dos escolásticos; porém, ao vasculhar a biblioteca, encontrou, acidentalmente, uma cópia da Bíblia latina que jamais havia visto antes. Esta atraiu poderosamente a sua curiosidade; leu-a ansiosamente e sentiu-se atônito ao perceber que apenas uma pequena porção das Escrituras era ensinada ao povo.

Fez a sua profissão de fé no mosteiro de Erfurt, após ter sido noviço durante um ano; e tomou ordens sacerdotais, ao celebrar a sua primeira missa em 1507. Um ano mais tarde foi transferido do mosteiro de Erfurt à Universidade de Wittenberg, pois, após a fundação da Universidade, pensava-se que nada seria melhor para dar-lhe reputação e fama imediata do que a autoridade e a presença de um homem tão célebre, por seu grande temperamento e erudição, como era Martinho Lutero.

Em Erfurt havia um certo ancião no convento dos agostinianos, com quem Lutero, que pertencia à mesma ordem, como frade agostiniano, conversou sobre vários assuntos, especialmente a remissão dos pecados. Sobre este tema, este sábio padre foi franco com Lutero, ao dizer-lhe que o expresso mandamento de Deus é que cada homem creia particularmente que os seus pecados foram perdoados em Cristo; disse-lhe ainda que esta interpretação particular fora confirmada por São Bernardo: “Este é o testemunho que o Espírito Santo te dá em teu coração, quando diz: Os teus pecados te são perdoados. Porque este é o ensino do apóstolo, que o homem é livremente justificado pela fé”.

Estas palavras não serviram somente para fortalecer Lutero, mas também para ensinar-lhe o pleno sentido do ensino do apóstolo Paulo, que insiste tantas vezes na seguinte frase: “Somos justificados pela fé”. E, após ler as exposições de muitos sobre esta passagem, logo percebeu, tanto pelo discurso do ancião como pelo conselho que recebeu em seu espírito, o quão vãs eram as interpretações que antes havia lido nos trabalhos dos escolásticos. E assim, pouco a pouco, ao ler e comparar os ditos e os exemplos dos profetas e dos apóstolos, com uma contínua invocação a Deus, e com a excitação da fé pelo poder da oração, deu-se conta desta doutrina com a maior evidência.

Assim prosseguiu os seus estudos em Erfurt pelo período de quatro anos no mosteiro dos agostinianos.

Em 1512, sete mosteiros de sua ordem tiveram uma divergência com o seu vigário geral. Lutero foi escolhido para ir a Roma e defender a sua causa. Naquela cidade, observou o papa e a sua corte, e teve também a oportunidade de contemplar as maneiras do clero, cujos modos precipitados, superficiais e ímpios de celebrar a missa foram severamente por ele criticados. Assim que ajustou a disputa que havia motivado a sua viagem, voltou a Wittenberg e foi constituído doutor em teologia, às custas de Federico, da Saxônia, que freqüentemente lhe ouvia pregar, e que estava familiarizado com o seu mérito, e que lhe reverenciava muito.

Continuou na Universidade de Wittenberg de onde, como professor de teologia, dedicou-se à atividade de sua vocação. Neste ponto deu início à leitura extremamente intensa das conferências sobre os livros sagrados. Explicou a Epístola aos Romanos e os Salmos, que esclareceu e explicou de uma maneira tão completamente nova e diferente do que havia sido o estilo dos comentaristas anteriores, que “era como, após uma longa e escura noite, amanhecesse um novo dia, a juízo de todos os homens piedosos e prudentes”.

Lutero dirigia de modo cuidadoso a mente dos homens ao filho de Deus, do mesmo modo que João Batista anunciava o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; do mesmo modo Lutero, ao resplandecer na igreja como uma luz brilhante após uma longa e tenebrosa noite, mostrou de maneira clara que os pecados são livremente remidos pelo amor do filho de Deus, e que cada pessoa deveria fielmente abraçar a este generoso dom.

A sua vida estava de acordo com o que ele professava; e evidenciou-se de modo claro que as suas palavras não eram meramente a atividade de seus lábios, mas que procediam de seu próprio coração. Esta admiração por sua vida de santificação atraiu muito os corações de seus ouvintes.

A fim de preparar-se melhor para a tarefa que havia empreendido, aplicou-se atentamente ao estudo dos idiomas grego e hebraico; e a isto estava dedicado quando se publicaram as indulgências gerais em 1517.

Leão X, que sucedeu a Júlio II em março de 1513, teve o desígnio de reconstruir a magnífica Catedral de São Pedro em Roma, cujas obras haviam sido iniciadas por Júlio, mas que ainda precisava de muito dinheiro para ser concluída. Por esta razão, Leão X, em 1517, aprovou a concessão de indulgências gerais a toda Europa, em favor de todos os que contribuíssem com qualquer soma de dinheiro para a reedificação da catedral; e designou pessoas em diferentes países para proclamarem estas indulgências e receberem o dinheiro das mesmas. Estes estranhos procedimentos provocaram muito escândalo em Wittenberg e, de modo particular, inflamaram o zelo de Lutero, o qual era por natureza ardente e ativo. Neste caso, por ser incapaz de conter-se, estava decidido a declarar-se contrário a tais indulgências em todas as circunstâncias.

Por esta razão, na véspera do dia de todos os santos, em 31 de outubro de 1517, fixou publicamente, na igreja adjacente ao castelo naquela cidade, as noventa e cinco teses contra as indulgências, onde desafiava a qualquer que se opusesse a elas, fosse por escrito ou por debate oral. As proposições de Lutero acerca das indulgências haviam sido publicadas há pouco, quando Tetzel, o frade dominicano comissionado para a sua venda, manteve e publicou suas teses em Frankfort, que continha um conjunto de proposições diretamente contrárias às de Lutero. Fez ainda mais: agitou o clero de sua ordem contra seu companheiro; considerou-o, do púlpito, um anátema e herege condenável, e queimou em público as suas teses em Frankfort. As teses de Tetzel também foram queimadas em Wittenberg, como reação, pelos luteranos. Porém o próprio Lutero negou ter parte nesta ação.

Em 1518, Lutero, ainda que dissuadido disto por seus amigos, porém, para mostrar obediência à autoridade, foi ao mosteiro de Santo Agostinho em Heidelberg, onde havia uma assembléia reunida; ali manteve, no dia 26 de abril, um debate sobre a “justificação pela fé”, que Bucero, o qual na ocasião estava presente, tomou por escrito, e comunicou-a posteriormente a Beatus Rhenanus, sem poupar as maiores críticas.

Enquanto isto, o zelo de seus adversários cresceu mais e mais contra ele; finalmente, foi considerado, diante de Leão X, um herege. Então, logo que regressou de Heidelberg, aquele papa lhe escreveu uma missiva nos termos mais submissos; Lutero enviou-lhe, ao mesmo tempo, uma explicação de suas proposições sobre as indulgências. Esta carta tinha a data do domingo da Trindade do ano de 1518, e foi acompanhada de um protesto no qual se declarava que ele não pretendia propor e nem defender algo em contrário às Sagradas Escrituras e nem à doutrina dos padres, recebida e observada pela Igreja de Roma, nem aos cânones nem aos decretos papais; contudo, pensava que possuía a liberdade suficiente para aprovar ou reprovar as opiniões de São Tomás, Boaventura e outros escolásticos e canonistas que não se baseavam em texto algum.

O imperador Maximiliano estava igualmente solícito de que o papa detivesse a propagação das opiniões de Lutero na Saxônia, que eram perturbadoras, tanto para a igreja como para o império. Por esta razão, Maximiliano escreveu a Leão X uma carta datada de 5 de agosto de 1518, a fim de pedir-lhe que proibisse, por sua autoridade, estas inúteis, desconsideradas e perigosas disputas; também lhe assegurava que cumpriria estritamente, em seu império, tudo o que sua santidade ordenasse.

Enquanto isto, Lutero, quando soube o que era levado a cabo em Roma, por sua causa, empregou todos os meios imagináveis para que não fosse levado para lá, e para fazer com que a sua causa fosse julgada na Alemanha. O governador também estava contrário a que Lutero fosse a Roma, e pediu ao cardeal Caetano que pudesse ser ouvido diante dele, como representante papal na Alemanha. Com isto, o papa consentiu que a sua causa fosse julgada diante do cardeal Caetano, a quem havia dado poderes para decidi-la.

Por esta razão, Lutero dirigiu-se imediatamente a Augsburgo, e levava consigo cartas do governador. Lá chegou em outubro de 1518 e, após haver-se-lhe dado segurança, foi admitido na presença do cardeal. Porém, Lutero logo percebeu que tinha mais a temer por parte do cardeal do que pelas discussões sobre quaisquer temas; por esta razão, ao temer ser preso caso não se submetesse, retirou-se de Augsburgo no dia 20 de outubro. Porém, antes de partir, publicou uma apelação formal ao papa e, ao ver-se protegido pelo governador, transmitiu suas pregações sobre as mesmas doutrinas em Wittenberg, e enviou um desafio a todos os inquisidores que comparecessem e discutissem com ele.

Quanto a Lutero, Miltitius, o camarista do papa, tinha ordem de exigir do governador que o obrigasse a se retratar, ou que lhe negasse a sua proteção; porém, as coisas não poderiam ser feitas com tanto orgulho, pois o crédito de Lutero estava demasiadamente bem estabelecido. Além disto, aconteceu que o imperador Maximiliano morreu no dia 12 daquele mês, o que alterou muito o aspecto das coisas, e fez com que o governador estivesse mais livre e capaz para decidir a sorte de Lutero. Por esta razão, Miltitius pensou que o melhor seria ver o que se poderia fazer por meios limpos e gentis, e com esta finalidade começou a conversar com Lutero.

Durante todos estes acontecimentos a doutrina de Lutero era cada vez mais divulgada e prevalecia sobremaneira; e ele mesmo recebeu ânimo dos alemães e dos outros povos.

Naquela ocasião os boêmios lhe enviaram um livro do célebre Juan Huss, que havia sido martirizado durante a obra da reforma, e também cartas nas quais o exortavam à constância e à perseverança e reconheciam que a teologia que ele ensinava era pura, sã e ortodoxa. Muitos homens eruditos e eminentes colocaram-se ao seu lado.

Em 1519, Lutero manteve um célebre debate em Leipzig com Juan Eccius. Porém, esta discussão terminou finalmente como todas as outras, e não teve o privilégio de ver as partes aproximar-se, de modo algum; mas que se sentiam ainda mais como inimigos pessoais, do que antes do debate.

Por volta do final do ano, Lutero publicou um livro no qual defendia que a comunhão fosse celebrada de ambos os modos; isto foi condenado pelo bispo de Misnia em 24 de janeiro de 1520.

Enquanto Lutero trabalhava para defender-se perante o novo imperador, e diante dos bispos da Alemanha, Eccius foi a Roma para pedir a sua condenação, o que, como se pode perceber, não seria agora tão difícil de conseguir. Certo é que as contínuas importunações dos adversários de Lutero perante Leão X levaram-no finalmente a publicar uma condenação contra ele, e o fez em uma bula datada de 15 de junho de 1520. Isto teve lugar na Alemanha, e foi ali publicada por Eccius, que a havia solicitado em Roma, e que estava encarregado da execução da mesma, juntamente com Jerónimo Alejandro, pessoa eminente por sua erudição e eloqüência. Enquanto isto, Carlos I da Espanha e Carlos V da Alemanha resolviam as suas dificuldades nos Países Baixos. Em seguida, Carlos V dirigiu-se à Alemanha, e foi coroado imperador no dia 21 de outubro de 1520, em Aquisgrán.

Martinho Lutero, após ter sido acusado pela primeira vez em Roma, através da censura papal, em uma quinta-feira santa, dirigiu-se pouco depois da páscoa a Worms, onde compareceu diante do imperador e dos governantes de todos os estados da Alemanha. Manteve-se constante na verdade, defendeu-se e respondeu a todas as perguntas de seus adversários.

Lutero permaneceu alojado, bem agasalhado, e visitado por muitos condes, barões, cavaleiros de ordem, homens gentis, sacerdotes e pelos membros do parlamento comum, que freqüentavam o seu alojamento durante a noite.

Veio de modo contrário às expectativas de muitos, tanto dos adversários como dos amigos. Os seus admiradores deliberaram juntos, e muitos trataram de persuadi-lo para que não se aventurasse ao perigo de ir a Roma, pois consideraram que tantas vezes não se havia respeitado a promessa de segurança para as pessoas nesta condição. Ele, após ter ouvido todas as suas persuasões e conselhos, respondeu-lhes do seguinte modo: “No que a mim me diz respeito, uma vez que me chamaram, resolvi e estou certamente decidido a ir a Worms, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; sim, mesmo sabedor de que há ali tantos demônios para resistir-me, em número tão grande como o das telhas que cobrem as casas da cidade de Worms”.

Lutero na Dieta de Worms
No dia seguinte, ele foi conduzido de seu alojamento à corte do imperador, onde permaneceu até as seis horas da tarde, porque os príncipes estavam ocupados na solução de diversos problemas do reino; ao permanecer ali, encontrava-se rodeado de um grande número de pessoas, quase prensado por tamanha multidão… Logo, quando os príncipes terminaram a primeira reunião e o chamaram, entrou Lutero, e Eccius, o oficial, falou do seguinte modo: “Responda agora à demanda do imperador. Manterás todos os livros que reconheceste serem de tua autoria, ou revogarás parte dos mesmos e te humilharás?”.
Martinho Lutero respondeu modesta e humildemente; porém, não desprovido de uma determinada firmeza e constância cristãs:
 “Considerando que vossa soberana majestade e vossos honoráveis demandais desejam uma resposta plena, isto digo e professo tão resolutamente quanto posso, sem dúvidas e nem sofisticações, que se não me convencerdes através do testemunho das Escrituras (pois não dou crédito nem ao papa e nem aos seus concílios gerais, que têm errado muitas vezes, e que têm sido contraditórios contra si mesmos), a minha consciência está tão ligada e cativa destas Escrituras que são a Palavra de Deus, que não me retrato nem posso me retratar de absolutamente nada, considerando que não é piedoso nem legítimo fazer qualquer coisa que seja contrária à minha consciência. Aqui estou e nisto descanso: nada mais tenho a dizer. Que Deus tenha misericórdia de mim!”.
Os príncipes consultaram-se entre si sobre a resposta dada por Lutero e, após terem-no interrogado diligentemente, o porta-voz respondeu-lhe assim:
“A majestade imperial demanda de ti uma simples resposta, seja negativa, seja afirmativa, se pretendes defender todos os teus livros como cristãos, ou não”.
Então Lutero, dirigindo-se ao imperador e aos nobres, rogou-lhes que não o forçassem a ceder contra a sua consciência, confirmada pelas Sagradas Escrituras, sem os argumentos manifestos que os seus adversários alegaram, e declarou:
“Estou atado pelas Escrituras”.
Antes que se concluísse aquela reunião, chamada de Dieta de Worms, Carlos V fez com que se redigisse um edito, datado de 8 de maio, decretando que Martinho Lutero fora, de conformidade com a sentença do papa, considerado desde então membro separado da Igreja, cismático e um herege obstinado e notório. Enquanto a bula de Leão X, aceita por Carlos V, era divulgada por todo o império, Lutero ficou detido no castelo de Wittenberg; porém, cansado de seu silêncio obsequioso, voltou a aparecer em público em Wittenberg no dia 6 de março de 1522, após uma ausência de cerca de dez meses.
Lutero promoveu então uma guerra aberta ao papa e aos bispos; e com a finalidade de conseguir que o povo menosprezasse a autoridade destes, tanto quanto fosse possível, escreveu um livro contrário à bula papal, e outro intitulado “A Ordem Episcopal”. Também publicou uma tradução no Novo Testamento no idioma alemão, que foi posteriormente revisado por ele e Melanton.
Reinava a confusão na Alemanha, e não menos na Itália, porque surgiu uma contenda entre o papa e o imperador, durante a qual Roma foi tomada por duas vezes, e o pontífice, preso. Enquanto os príncipes estavam assim ocupados em suas pendências mútuas, Lutero levou adiante a obra da Reforma, ao opor-se também aos papistas e combater aos anabatistas e outras seitas fanáticas que, ao aproveitar o seu gesto de enfrentar a Igreja Romana, haviam surgido e se estabelecido em diversos lugares.
Em 1527, Lutero sofreu um ataque de coagulação de sangue ao redor do coração, que quase pôs fim à sua vida. Ao perceber que as perturbações na Alemanha não pareciam ter fim, o imperador viu-se obrigado a convocar uma dieta na cidade de Spira, em 1529, para pedir a ajuda dos príncipes do império contra os turcos. Os reformadores de quatorze cidades alemãs, ou seja:
Estrasburgo, Nuremberg, Ulm, Constanza, Retlingen, Windsheim, Memmingen, Lindow, Kempten, Hailbron, Isny, Weissemburg, Nortlingen, e St. Gal uniram-se contra o decreto da dieta e emitiram um protesto contra as sanções que lhes foram impostas, o qual foi redigido e publicado em abril de 1529. Este foi o célebre documento que deu aos reformadores da Alemanha o nome de “Protestantes”.
Depois disto, os principais protestantes empreenderam a formação de uma aliança firme, e instruíram o governador da Saxônia e os seus aliados que haviam aprovado o que a dieta estabelecera; porém, os disputados redigiram uma apelação, e os protestantes apresentaram rapidamente uma apologia por causa de sua “Confissão”, a famosa declaração redigida por Melanton. Tudo isto foi firmado por vários príncipes, e Lutero já não tinha muito mais a fazer além de sentar-se e contemplar a magnânima obra que tinha levado a cabo.
Por ser somente um monge, foi capaz de dar à Igreja de Roma um golpe tão rude, que apenas mais um da mesma intensidade seria o suficiente para derrubá-la completamente; por esta razão, esta pode ser considerada uma obra magnânima.
Em 1533 Lutero escreveu uma epístola consoladora aos cidadãos de Oschatz, que haviam sofrido algumas penalidades por terem aderido à confissão de fé de Augsburgo; e, em 1534, foi impressa a Bíblia que Lutero havia traduzido para o alemão, como protótipo do antigo acordo fechado em Bibliópolis, por mãos do mesmo editor, e que foi publicada no ano seguinte.
Naquele ano Lutero também publicou um livro, intitulado “Contra as Missas e a Consagração dos Sacerdotes”.
Em fevereiro de 1537 foi celebrada uma assembléia em Smalkalda sobre questões religiosas, para a qual Lutero e Melanton foram convidados. Durante esta reunião, ele ficou tão enfermo, que não havia esperança de que se recuperasse. Enquanto o levavam de volta, escreveu o seu testamento, no qual legava a seus amigos e irmãos o seu desdém pelo papado. E assim esteve ativo até a sua morte, que aconteceu em 1546.
Naquele ano, na companhia de Melanton, foi à Saxônia, sua província natal, que há muito tempo não visitava, e ali chegou são e salvo. Porém, pouco depois, foi chamado pelos condes de Mansfelt, para que arbitrasse umas diferenças que haviam surgido acerca de seus limites e, ao chegar, foi recebido por mais de cem ginetes e conduzido de maneira muito honrosa. Porém, ficou tão enfermo naquela ocasião, que se temeu que pudesse morrer. Lutero disse, então, que estes ataques de enfermidade sempre lhe sobrevinham quando tinha qualquer grande obra a empreender. Porém, nesta ocasião, não se recuperou, mas morreu no dia 18 de fevereiro, com sessenta e três anos de idade. Pouco antes de expirar, admoestou àqueles que estavam em volta de si a que orassem a favor da propagação do Evangelho, e disse-lhes:
“Porque o Concílio de Trento, que teve uma ou duas reuniões, e o papa, inventarão coisas estranhas contra o Evangelho”.
Ao sentir que se aproximava o desenlace fatal, antes das nove horas da manhã, encomendou-se a Deus com esta devota oração: “Meu Pai celestial, Deus eterno e misericordioso! Tu manifestaste a mim o teu amado Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Ensinei a respeito dEle, e tenho-o conhecido; amo-o da mesma forma que preservo a minha própria vida, minha saúde e minha redenção; a Quem os malvados têm perseguido, caluniado e afligido com vitupérios. Leve a minha alma a Ti”.
Depois disto, citou a frase a seguir, e repetiu-a por três vezes: “Em tuas mãos entrego o meu espírito. Tu me remiste, ó Deus, de verdade!”.
Em seguida, citou João 3.16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
Após repetir as suas orações várias vezes, foi chamado à presença de Deus.
Desta forma, a sua alma limpa foi pacificamente separada de seu corpo terrestre.
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